quarta-feira, janeiro 10, 2007

análise do relatório APF / Consulmark sobre o aborto em Portugal

Vale bem a pena alguém dar-se ao trabalho de estudar o relatório apresentado pela APF em 13 Dezembro de 2006 na Maternidade Alfredo da Costa em Lisboa. Este relatório debruça-se sobre o estado do aborto em Portugal, e nele se encontram alguns elementos objectivos que contradizem frontalmente o argumentário pelo "sim". O relatório está publicado em http://www.apf.pt/activ/aborto_portugal.pdf e esperemos que não seja retirado para não prejudicar a campanha do "sim" (à cautela, já importei um exemplar para ter de reserva...)

Passemos a elencar apenas alguns:

- pág. 11 são consideradas duas bases: 1) as mulheres de 18 aos 49 anos e 2) as mulheres de 18 aos 49 anos que já engravidaram, sendo este um subconjunto do anterior, as percentagens relativas a esta base hão-de ser superiores. Não se compreende então que o estudo apresente uma estimativa para as viúvas que já abortaram de 26,8% relativamente à primeira base, bem superior à percentagem de 10,4% relativamente à segunda base supostamente considerada. O estudo parece pouco criterioso, pelo menos neste ponto. Que confiança podemos atribuir então aos restantes números?

- pág.13 se 2,5% das mulheres tivessem feito aborto repetido, então extrapolando para a população inteira (5.174.280 de mulheres, dados de 1998) teriamos então 129.357 mulheres que contrariam a argumento pró-aborto de que "nenhuma mulher praticará um aborto levianamente"; pelo menos será isso que se poderá dizer das 5.174 mulheres que supostamente teriam abortado 4 ou mais vezes, as quais dariam assim um claro sinal de encarar o aborto como um vulgar método contraceptivo; perante estes números, faremos à dignidade das mulheres portuguesas a justiça de considerar que os números não poderão deixar de estar empolados.

- pág. 17 deixando de lado os 2,5% casos "não se recorda", verifica-se que 26% dos abortos terão sido praticados para além das 10 semanas, o que é indicativo de que, admitindo o total (possivelmente muito empolado pela A.P.F.) de 17000 abortos/ano, continuarão a realizar-se 4.337 abortos clandestinos por ano em Portugal, mesmo com a vitória do "sim". A única solução para acabar com "os julgamentos e a humilhação", na óptica abortista, parece ser então alargar os prazos do aborto livre para mais de 30 semanas! Basta fazer algumas contas muito simples a partir da distribuição de percentagens dadas no relatório cujo "fitting" a uma progressão geométrica semanal de razão 0,87 é bastante exacto.

- pág. 18 verifica-se que 48,1% das mulheres deram como razão para o primeiro aborto o facto de não estarem a utilizar qualquer método contraceptivo; mas 46% de todas as inquiridas possuiam instrução secundária ou superior, não devendo por isso ser aqui invocada como razão a falta de informação ou cultura; Então, mesmo admitindo que as restantes 54% com instrução básica pudessem não estar suficientemente informadas (o que é tudo menos líquido), o aborto surge efectivamente como o primeiro método contraceptivo em pelo menos 22% das situações. É aceitável a generalização desta realidade com o aborto liberalizado?

- pág. 23 à questão "como é que avalia o local onde fez o aborto (suposto clandestino)" quanto a higiene, privacidade, conforto, localização, acolhimento, numa escala de 1 (muito negativo) a 4 (muito positivo), as classificações são de 3,44 - 3,39 - 3,29 - 3,22 e 3, 31, por aquela ordem. Isto significa que elas classificam massivamente as condições dos locais entre o positivo e o muito positivo; perde portanto consistência o chavão do "aborto em vão de escada em condições de higiene muito deficientes" que os pró-aborto apresentam como uma das grandes razões para a tentativa de liberalização do aborto. Esta indicação aparece confirmada na pág. 26 pela percentagem de 45% de médicos e 30,6% de parteiras, quando se pergunta pela classe profissional que realizou o aborto. A percentagem de "outro"ou "não sabe" reduz-se a 11,3%. Tudo isto contraria irremediavelmente as perspectivas de "melhoria das condições em que é realizado o aborto", apresentadas como grandes bandeiras pelo "sim".

Enfim, ainda só vamos na página 26 de um total de 45 e já podemos dizer tudo o que acima fica expresso. Deixo a outros a análise das últimas 20, que vistas de relance me pareceram igualmente significativas.

Estas primeiras me bastam para tirar já uma importante conclusão:
Se as condições já são hoje classificadas pelas próprias "utentes" entre o "positivo" e o "muito positivo" e se também não parece haver condições para acabar com os casos em tribunal sem que o prazo do aborto se alargue até mais de 30 semanas, então a única consequência real da liberalização do aborto será... que ele passe a ser pago por todos nós e não pelos e pelas interessadas, 48% das quais, conforme indica o estudo, nem sequer estão a tomar qualquer contraceptivo, conforme revela o estudo!!! Ou seja, apenas se dá uma mudança do pagador, assumindo o contribuinte em geral a responsabilidade pela... irresponsabilidade de algumas e alguns!

Luís Botelho Ribeiro

2 comentários:

Luís Botelho Ribeiro disse...

E uma questão certamente muito importante parece que não a colocaram às mulheres que abortaram... «o seu aborto enquadrava-se nalguma situação prevista no quadro legal vigente ao tempo?» Assim se ficaria a saber a percentagem de aborto clandestino. De facto 86% dizem tê-lo feito em Portugal e noutro ponto do "estudo" indirectamente o confirmam ao classificar com a média de 3,22 (num máximo de 4) o parâmetro LOCALIZAÇÃO. Por isso o efeito Espanha não introduzirá um erro muito grande se considerarmos que a percentagem de aborto legal corresponde à soma dos feitos em Hospitais e Clínicas. De facto, não parece haver clínicas a dedicar-se ao aborto clandestino em Portugal, arriscando-se a perder o alvará e sofrer a perseguição da justiça. Então a percentagem de aborto legal seria de 32,2 (clínica) + 6,9 (hospital), o que daria 39,1%. Daí se tiraria que, por exemplo, em 2005 ao total de 906 abortos legais [1] corresponderia um número total de 2317 abortos. Que longe vão os 17.000 da APF!

[1] http://dn.sapo.pt/2006/12/22/nacional/hospitais_publicos_duplicam_abortos_.html)

Mário da Silva disse...

Também fiz uma análise semelhante à sua num blog de gente do SIM mas séria.

A minha foi mais em resultado do facto de em resposta à falta de documentos validantes da barbárie dos 18.000 abortos ano me terem também "atirado para o regaço" com essa apresentação convertida em PDF.

O que disse e a origem pode ser lida nos comentários ao artigo "IVG / Aborto", se tiver pachorra para tal.

Até mais.