Foi com um misto de estupefacção e revolta que lemos as notícias recentes sobre a intenção de iniciar o programa de abortos em centros de saúde – e logo com três unidades do distrito do Porto entre as quatro primeiras do país: Paredes, Penafiel e Amarante. As notícias faziam-se eco de declarações do coordenador da área de saúde materna da Administração Regional de Saúde do Norte, o zeloso executor a Norte da política criminosa deste governo contra a vida humana.
Perante isto, podem ficar a assistir passivamente a esta verdadeira provocação os cidadãos de municípios que no passado dia 11 de Fevereiro responderam maioritariamente “não”? Se é certo que o país se inclinou para o “sim”, iludido por uma série de mentiras postas a circular na campanha eleitoral, não é menos certo que em todos os quatro concelhos indicados para mais esta “inovação” do governo os cidadãos responderam expressivamente “NÃO”. Com tantos concelhos por esse país fora em que o “sim” venceu largamente, a escolha cínica destes quatro não pode ser interpretada senão como uma provocação gratuita aos sentimentos humanistas e religiosos da maioria dos seus habitantes.
Relembremos os resultados do referendo ao aborto em 2007. Em Penafiel, o “sim” perdeu expressivamente por 37% contra 63%. Em Paredes, perdeu novamente por 33,9% contra 66,1%, o mesmo sucedendo em Amarante onde, apesar de se tratar de uma autarquia do PS, o “sim” se ficou pelos 41,7%. Finalmente em Viana do Castelo, mesmo tratando-se de um município fortemente urbano, o “não ao aborto” saiu também aí vencedor com 54,1% dos votos.
Se o grupelho que nos governa(?) tivesse um mínimo de respeito pelos valores democráticos, graças aos quais ocupa o poder, não deixaria de atender de alguma maneira à vontade expressa pelos cidadãos através do voto, lançando esta medida em concelhos escolhidos ao acaso, e não segundo este critério capcioso e provocatório, como dissemos. Se este fosse um governo de democratas, não se atreveria a promover os abortos em locais sem condições para atender possíveis complicações – os centros de saúde - depois de ter apresentado a legalização do aborto como a solução para o “aborto em vão de escada, sem condições de segurança para as mulheres”. Se este fosse um governo de gente responsável, não entraria a elaborar tardiamente um conceito de “aborto de proximidade” de que nunca se falou durante a campanha eleitoral – uma política, portanto, gizada às escondidas do eleitor, sem o seu aval, contraditória com as ideias anunciadas durante a campanha e, consequentemente, um ilícito democrático.
Por outro lado, será que o anunciado projecto já levou em linha de conta a provável (e louvável) objecção de consciência dos profissionais naqueles centros de saúde? Ou estará a contar com uma maior eficácia das “pressões” sobre os (poucos) enfermeiros e médicos dos centros de saúde do que aconteceu nos grandes hospitais? Anunciando o projecto para arrancar já na próxima semana em Viana, os boys do PS nas direcções dos centros e/ou da própria DRS-Norte lá terão a sua estratégia para fazer as coisas, e talvez contem com o factor-surpresa para impedir a tomada de consciência e consequente resistência dos cidadãos discordantes.
E é justamente a essa consciência que esta mensagem em primeiro lugar se destina. Não podemos ficar de braços cruzados à espera que nos transformem os nossos centros de saúde em campos de extermínio humano. Não podemos aceitar que as mãos que de manhã nos prestam os cuidados de saúde primários, sejam de tarde postas ao serviço da morte de seres humanos inocentes. Antes que alguns de nós, por nojo, se sintam obrigados a deixar de entrar nestes locais hoje exclusivamente consagrados à protecção das nossas vidas, melhor é que demos as mãos para impedir que nos roubem o que é nosso: os nossos centros de saúde, os nossos médicos e enfermeiros sempre solidários, competentes e conscientes do valor absoluto da vida humana.
As formas concretas do nosso protesto podem ser mais ou menos imaginativas e diversos os arautos. Das mais silenciosas - como vigílias de oração nas igrejas - às mais ruidosas, como buzinões diante dos centros de saúde ameaçados. Algo terá de ser feito se não quisermos ver à nossa porta os primeiros centros de morte deste inaudito programa de “aborto de proximidade”. No limite não será de excluir mesmo a convocação de uma manifestação ordeira – todos sabemos como o “sms” e o email podem operar “milagres” de mobilização cívica. E, por falar em milagres, num momento tão funesto não será de desaproveitar a “força dos sinos” numa diocese como a do Porto, particularmente animada pelo novo pastor que do Alto lhe foi dado.
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